A SEGUNDA SEMENTE
Aquela última carona de Leny no final do mês de junho bombardeou
todos os sentimentos de bem que a moça dedicava a Osmar. Ela soltou do carro às
carreiras, completamente descontrolada, sem rumo e sem chão. As lágrimas
jorravam dos seus brilhantes olhos negros e umedeciam aquele lindo rosto
juvenil. A menina fugiu do alcance de Osmar e embarcou no primeiro ônibus que
parou no ponto, sem saber o seu itinerário. Seus pensamentos voavam à procura
de uma solução e voltavam ao mesmo lugar do impasse. "O que fazer? Era a pergunta que ela fazia a si
mesma, até se livrar da distração que a estava levando para outro caminho,
fazendo-a desembarcar em outro bairro e pegar um táxi na volta pra casa.
Nos dois últimos dias de junho, Leny foi à faculdade sozinha para
tentar desviar seus pensamentos e se ligar nas matérias. As provas estavam
marcadas para a outra semana (início de julho) e ela reconhecia que precisava
se dedicar mais para passar. Dispensou as caronas de Osmar, manteve-se longe
dele no trabalho, rejeitou suas investidas para um entendimento e evitou
desejar-lhe boas férias.
Leny não tinha certeza, mas andava desconfiada que estivesse
grávida. Sua última regra foi no início de maio e o seu ciclo menstrual já
estava atrasado há quase um mês. Começou a sentir certos incômodos anormais em
seu corpo e lamentou ter enganado Osmar sobre o uso dos anticoncepcionais. Se
tivesse realmente se preservado com as pílulas antes de ir pra cama com ele, hoje
a história seria diferente e não geraria aquela preocupação.
Sem a presença de Osmar nos próximos vinte e cinco dias para
compartilhar sua angústia, Leny precisava de alguém bem antes disso para
desabafar e orientá-la. Pensou em Gleice, garota vivida e experiente, mas
apesar de ter certeza da sua ajuda, achou melhor não procurá-la com receio da
inevitável pergunta da colega, que poderia correlacionar Osmar como o pai da
criança.
Quanto a isso, Leny poderia dizer que seria de Alexandre, cujo fim
do noivado Gleice desconhecia, como também a origem do anel que ela voltou a
usar no dedo anular da mão direita. Em vista disso, Leny resolveu, então, se
abrir com a melhor amiga que ela tinha na vida: "sua mãe Valdívia".
Valdívia era uma excelente dona de casa. Desde cedo sua mãe lhe
ensinara os afazeres domésticos, para que esta tivesse tempo de costurar para
fora. Costureira de mão cheia era raro o dia em que ela não estivesse sentada e
pedalando a sua máquina de costura. Conhecidíssima na comunidade de Vila
Isabel, sua clientela era bem variada e suas roupas ou vestidos muito
elogiados.
Valdívia era uma mulher dócil, amiga, muito observadora e com uma
capacidade de percepção fora do comum. Apesar dos poucos estudos, sabia
discutir sobre vários assuntos que captava principalmente nos programas de
rádio. A mãe de Leny, agora com 48 anos, por não ser vaidosa, escondia a beleza
mulata dos seus dezoito anos, quando cativou o nordestino João à primeira
vista. Seu gingado sensual num vestido estampado sobre a pele, encheu João de
coragem para abordá-la num parque de diversões. O nordestino, mais velho sete
anos do que ela, conquistou a moça com seu olhar firme e sua voz grossa de
homem macho da roça.
Casaram-se quatro anos depois no civil e no religioso através da
Igreja Presbiteriana, sem muita festa ou alardes. Fizeram uma rápida viagem até
Poços de Caldas das Minas Gerais, em lua-de-mel para oficializar de vez o
envolvimento carnal que já vinha acontecendo há um ano. Foram entregas sem
culpas e arrependimentos, por Valdívia confiar nas pretensões sérias de João.
Ela permitiu e não se arrependeu e, naquele dia, ficou feliz por passar a
conviver com o seu marido de papel passado.
O tempo correu e a vida presenteou João e Valdívia com o
nascimento e criação de três filhos, fortalecendo o amor, a amizade e a
cumplicidade entre eles. E agora, vinte e seis anos depois, Valdívia não poderia
deixar de escutar e orientar sua filha caçula aos vinte anos de idade, quando
ela correu em sua direção quase pedindo socorro.
Aproveitando a tarde tranquila daquele primeiro domingo de julho
(03/07), quando as duas estavam sozinhas em casa após as saídas de João e seu
irmão Carlos para assistirem ao jogo no Maracanã, Leny se juntou à mãe na sala
e começou:
- Mãe, precisamos conversar.
- O que foi minha filha? Diga. Quis saber
Valdívia sem tirar os olhos da TV.
Leny: - Ainda bem que
o pai não está em casa. É conversa entre mulheres.
Valdívia: - E uma delas é
a sua mãe. A sua melhor amiga. O que está acontecendo?
Leny: - É que a minha
regra está atrasada há mais de um mês.
- Como é que é? Apavorou-se
Valdívia, levantando-se, desligando a TV e continuando: - Você está sentindo alguma coisa diferente?
Leny: - Alguns
incômodos como rejeição a aromas de comidas e náuseas. Estou ficando
preocupada.
Valdívia: - Não se
preocupe. Pode ser um daqueles atrasos que normalmente você tem.
Leny: - Mas nunca
fiquei tanto tempo assim. Estou sentindo o meu corpo diferente.
Valdívia: - Foi depois
daquele dia horrível com o Alexandre, que você deixou de menstruar?
Leny: - Sim. Depois
daquele dia a regra não veio mais. Será que estou grávida, mãe?
Valdívia: - É possível,
mas não vamos tirar suposições antes do tempo. Não vamos lhe abandonar e fique
calma. Mas é preciso confirmar essa suspeita com o Dr. Ariosto, meu
ginecologista e obstetra.
Leny: - O que ele vai
fazer? Não posso perder as provas da semana que vem.
Valdívia: - Estude e faça
suas provas para passar. Quero vê-la na faculdade o quanto antes. Enquanto
isso, vou marcar a consulta com ele para após o seu vestibular.
Leny: - Tudo bem. Mas
não conte nada para o papai por enquanto. Ele é muito estourado e já ameaçou o
Alexandre.
Valdívia: - Nesse caso,
você está considerando que, se for positivo, este filho é de Alexandre?
Leny: - Porque a
pergunta, mãe?
Valdívia: - Porque algo me
diz que você teve envolvimento maior com o seu novo namorado.
Leny: - Porque a
desconfiança agora? Foi um namoro rápido que já está terminando.
Valdívia: - Mas não houve
nada entre vocês? Tenho percebido a sua mudança de humor radiando alegria e
felicidades. E isso acontece muito quando a mulher se entrega com prazer.
Leny se calou por instantes, admirando a perspicácia daquela
mulher simples e envolvente. Por instantes, pensou em abrir o livro e contar
tudo sobre o Osmar. Mas, imaginando o turbilhão de problemas que bombardearia a
sua vida e a dele, respondeu: - É impressão sua, mãe. Estava feliz
porque gostava dele.
- Gostava? Não gosta mais? O que
aconteceu? Quis saber Valdívia, ainda não acreditando na filha.
- Quer saber? Ainda gosto dele sim.
Aliás, gosto demais! Mas resolvi dar um tempo para pensar até resolver esta
questão. Rebateu Leny tentando inocentar Osmar.
- Se é assim, você faz bem. Porque
preocupar o rapaz com uma possível gravidez que ele não tem culpa. E se ele
gosta mesmo de você, vai entender e aceitar o que deve ser decidido. Sentenciou Valdívia.
- E o que deve ser decidido? De quê
você está falando? Preocupou-se Leny.
- Que o Alexandre terá que assumir você
e o filho. Mas isso é assunto para o seu pai resolver. Agora vá estudar para as
provas e esfrie a cabeça. Encerrou Valdívia deixando a filha
preocupada e sem resposta, porque Leny sabia que a sua última regra ocorreu
alguns dias após a violência de Alexandre. Logo, se gravidez houvesse, a
criança só poderia ser de Osmar.
O resto do domingo passou com aparente tranquilidade na casa,
apesar dos desconfortos de mãe e filha. João chegou do futebol trazendo uma
torta de chocolate que amenizou a preocupação das duas e evitou que o segredo
fosse ali revelado.
Na semana seguinte, início de julho, Leny se dedicou e estudou
bastante. Como recomendou sua mãe, esqueceu o seu problema pessoal e enfrentou as
provas em dois vestibulares diferentes. Sentiu a falta de Osmar no trabalho,
mas não deixou que a sua saudade lhe prejudicasse. Gleice, desconfiada e com as
antenas ligadas, ainda tentou saber algo da colega, mas não adiantou. Leny se
fechou e não relatou os motivos de uma preocupação que ela não conseguia
disfarçar.
As provas terminaram em oito dias e, logo depois, Valdívia numa
manhã de sábado, adentrava no consultório do Dr. Ariosto com Leny a tiracolo. E
após examiná-la, obter respostas para alguns sintomas e realizar os testes
necessários, o médico diagnosticou: - Parabéns
menina. Você está grávida. E considerando os meus cálculos com o seu período
fértil, você já está chegando ao segundo mês.
Leny não suportou a confirmação dessa notícia e, aos prantos se
jogou nos braços da mãe, perguntando - E agora? O que vamos fazer?
- O que vamos fazer mocinha é cuidar
muito bem desse bebê. A partir de agora vou tratar de você com muito carinho,
pára que tenha uma ótima gestação. Determinou o médico sem saber dos
problemas das suas clientes. Mas...
A continuação dessa história será
contada no próximo capítulo "UNIÃO DE FACHADA"
27/04/16 21:19 - Luiza De Marillac Michel
ResponderExcluirEstupenda, Poeta Olavo, adorei, beijos da Luiza.
28/04/16 13:37 - Edna Frigato
ResponderExcluirQuanto a novela, não tenho cinismo suficiente pra chegar aqui e dizer:
lindo! Preciso ler os outros antes de ler esse capítulo. Mas não tenho
dúvidas, tudo de sua lavra poética, é de qualidade. Boa Tarde!
28/04/16 21:45 - ELIE MATHIAS
ResponderExcluirBela e maravilhosa obra. Um forte abraço poeta.
29/04/16 21:00 - Nogam O Beija flor
ResponderExcluirParabéns , belíssima obra . Paz e luz .
29/04/16 23:08 - Maria Araújo
ResponderExcluirOI POETA. EXCELENTE, AMEI TUA OBRA DE ARTE, APLAUSOS MIL!!! TE
CONVIDO A OUVIR O MEU ÁUDIO,,,SE LEMBRA?,,,ABRAÇOS, MARIA ARAUJO
Mais um envolvente capitulo do romance. Parabéns Olavo. Abraço
ResponderExcluir16/01/17 00:20 - Deyse Felix
ResponderExcluirEu bem que imaginei algo assim. E agora Leny... Você brincou com fogo!
Osmar irá ter um treco e ficará num beco sem saída? OU... sobrará para
o selvagem do Alexandre? = Tcham, Tcham, Tcham, Tcham...
20/09/17 20:39 - Iolanda Pinheiro
ResponderExcluirDanou-se! Agora, esposa e amante grávidas. E quem é o pai do filho de
Leny?
13/04/19 12:01 - António Souza
ResponderExcluirA riqueza de detalhes nessa história, leva-nos a ser no mínimo
vizinhos de Leny. A moça acertou a escolha da mãe para a confidência,
embora mentindo sobre o genitor; mas sei, muitas águas ainda passarão
sob essa ponte. Vamos em frente está sendo um ótimo entretenimento,
parabéns meu amigo! Meu abraço!!! Gostaria de ler tudo de uma vez, mas
me falta tempo... Feliz sábado e ótimo domingo!!!