Os Percalços de uma Conquista - XIII Capítulo


COM A CARA E A CORAGEM





Depois das revelações bombásticas e cheias de confissões por parte de Leny, Gleice procurou seguir a sua rotina normal no trabalho sem qualquer interferência na vida dos dois colegas. A garota continuava distante do rapaz e este não conseguia disfarçar o seu incômodo e tristeza. Osmar sempre foi uma pessoa fechada em seus sentimentos e Gleice tinha certeza que esta sua maneira de ser só poderia aumentar o seu tormento. E cada vez mais que os dias iam passando sem qualquer decisão, as tensões aumentavam entre os três.

Enquanto Leny vivia arrependida com o afastamento imposto a Osmar que lhe tirava a coragem de se reaproximar e o rapaz mostrava-se nervoso por se ver diante de um impasse entre duas mulheres, Gleice continuava ansiosa e vacilava entre a decisão ou não de contar o que sabia a Osmar. Como ela tinha quase certeza que, se não contasse, o gelo entre os dois não seria quebrado, ela resolveu conversar com ele para tentar "pescar algum peixe" sem mencionar o nome da colega na confusão. E assim foi feito após quinze dias do seu encontro com Leny, quando o rapaz foi levado até o seu apartamento com a desculpa de um jantar a dois sem qualquer compromisso sério.

- Quanto tempo você não me convida para um jantarzinho desses, não é mesmo? Lembrou Osmar ao acomodarem-se no sofá da sala.

- É que você agora tem coisas mais importantes para se preocupar. Ironizou Gleice sem perda de tempo dirigindo-se à cozinha.

Osmar: - Ando mesmo muito ocupado com o serviço atrasado no trabalho e com os estudos na faculdade neste último período.

Gleice: - Mas eu acho que não é só isso não!

Osmar: - O que será então?

Gleice: - Atenção à sua família e a outros problemas pessoais.

Osmar: - Isso tudo e mais outras coisas. Inclusive, a gravidez da minha mulher.

- Nossa! Meus parabéns! Que ótima notícia! Adorei a novidade. Exaltou Gleice demonstrando surpresa naquilo que já sabia. Mas, aquela revelação espontânea do rapaz a deixou mais à vontade para levar a sua empreitada adiante. Ela não esperava qualquer confidência de Osmar a respeito da sua vida pessoal e essa notícia sem que fosse provocado, só lhe trouxe coragem para continuar. "Bom sinal para início de conversa", pensou ela.

Osmar: - A Yolanda já vai para o quarto mês. Não planejei nada, mas ela armou tudo direitinho. Fez de tudo para a gravidez acontecer e nem pediu a minha opinião.

Gleice: - Porque isso? Ela explicou?

Osmar: - Segundo ela, quis tentar um menino para me agradar. Como você sabe, já sou pai de duas meninas.

Gleice: - Tomara que assim aconteça nessa surpresa que ela lhe reservou.

Osmar: - Mas não importa. Para mim, se chegar outra menina, ficarei feliz da mesma maneira.

Gleice: - Vamos torcer pra dar tudo certo. Mas que é engraçado é...

Osmar: - O quê você está vendo de engraçado nisso aí?
- É que teremos dois nascimentos lá na empresa, praticamente na mesma época. A Leny também está grávida de quatro meses. Explicou Gleice ao colocar os pratos à mesa.

Osmar: - Pois é. Coincidência bacana. Ela também já está ficando bem cheinha.

Gleice: - Mas eu sinto que ela não está feliz. Já a surpreendi chorando no banheiro algumas vezes.

Osmar: - E ela não lhe contou o por quê? O que está acontecendo?

Gleice, servindo o jantar: - Disse-me que discutiu feio com o pai e que quer sair de casa. Falou que desistiu do casamento com o Alexandre e que está preocupada com o futuro da criança que vai nascer.

- Mas quais os motivos disso tudo? Ela não explicou? Perguntou Osmar jogando verde para colher maduro.

Gleice: - Ela não quis entrar em detalhes, mas confessou que o filho que ela está esperando não é do ex-noivo.

Osmar fingindo admiração: - Caramba! Então ela está sabendo de quem é não é mesmo?

Gleice: - Claro que sabe! Só não me disse quem é o autor do livro. Mas, ao ficar indecisa, passou-me a ideia de que seja alguém que eu conheço.

- Isso é um assunto particular dela e devemos respeitar. Rebateu Osmar fugindo do assunto.

Gleice: - Mas você pode ajudá-la. Sinto que ela está muito só e sinto também que ela carrega muito carinho por você.

Osmar: - Também gosto muito dela. Mas ela tem rejeitado a minha ajuda quando me fala de seus problemas pessoais.

Gleice: - Não será porque ela está com o amor ferido? Amor não correspondido? Decepção amorosa?

Osmar: - Aonde você quer chegar, minha querida colega Gleice, com esse papo? Parece-me cheia de rodeios.

Gleice: - É que estou bastante preocupada com a Leny e também com você. Ou você acha que eu não percebo a sua tristeza no trabalho? Você não é mais o mesmo, Osmar. Aquele cara alegre e carismático que eu conheço e sempre admirei, vive agora com o semblante fechado e sem muita conversa. Algo muito sério está acontecendo com você. E com ela também.

Osmar: - O que você está sabendo da parte de Leny? Diga-me tudo porque lhe conheço muito bem, minha querida fofoqueirazinha.

Gleice, sorrindo e gargalhando diante da ironia carinhosa do colega: - Quem tem que me contar é você. A Leny não colocou você no meio dessa história, mas está na cara que você é um dos personagens, se não for o protagonista.

Osmar: - Conclusão errada. Sou apenas um bom amigo da garota que gosta de estar perto dela. A gente conversa muito sobre as nossas vidas.

Gleice: - Então tá. Se você é um bom amigo da garota, mostre isso pra ela. Ampare-a nesse momento difícil, que ela está precisando muito.

Osmar: - Mas o que eu posso fazer, se ela me evita?

Gleice: - Não sei por que ela está lhe evitando, mas tome a atitude que ela está esperando. Não importa qual, mas tome uma atitude.

Osmar: - Preciso mesmo tomar uma atitude com relação à minha vida. Além da preocupação com a gravidez de Yolanda, tenho que decidir o meu lado profissional. Quanto à Leny, vou ficar na minha para não me aborrecer. Ela tem recusado o meu apoio e vou respeitá-la. Pra quê procurar agulhas no palheiro se as que estão lá não querem ser encontradas, não é mesmo?

Gleice: - Como assim, caro amigo? O que tem a ver o seu lado profissional com essa situação?

Osmar: - É que recebi há algumas semanas uma nova proposta de emprego. E por ser muito vantajosa, está me balançando muito. Além de dar uma alavancada em minha carreira, terei a oportunidade de conhecer os ares de outra cidade.

Gleice: - Como assim? Você quer nos deixar? Não gostei nem um pouquinho desta notícia.

Osmar: - Pois é. Esse é mais um problema que tenho que resolver sem perder muito tempo.

Gleice: - E a Leny já sabe dessa possibilidade de você ir embora?

Osmar: - Nem ela e ninguém mais além de você. Somente a minha mulher está acompanhando e discutindo isso comigo. Não poderia ser diferente, não é mesmo?

Gleice: - Nossa! Quanta coisa acontecendo em torno de você meu querido. Assim fica difícil você se preocupar com a Leny. Afinal de contas, acredito que os problemas dela são apenas assuntos que somente ela pode resolvê-los pessoalmente.

Osmar: - Mas não custa nada ajudá-la, desde que ela assim o queira.
Gleice: - E seria ótimo que quisesse, para evitarmos que ela cometa uma loucura.

Osmar: - Que é isso agora Gleice? Está deixando-me preocupado. Será que ela vai chegar a esse ponto extremo? Não posso e nem devo acreditar que isso venha a acontecer.

Gleice: - E se não houver o pedido de ajuda da parte dela, você vai deixá-la sozinha e desamparada? Que orgulho besta? Temos que socorrê-la.

Osmar: - Não sei aonde você quer chegar com esta conversa. Eu tenho os meus problemas, ela tem os dela e você tem os seus. Vamos respeitar as nossas individualidades.

Gleice: - Mas, se somos amigos, devemos nos unir nas adversidades. Reduzir o peso de cada um acrescentando parcelas sinceras de solidariedade. A união faz a força, você não acha?

Osmar: - Desde que os amigos queiram ser ajudados. Sem isso não há como. E finalizou com irritação: - Vamos deixar esse assunto pra lá que eu preciso ir embora. Admiro a sua preocupação em manter amigos unidos. Quanto a mim, agradeço a paciência por escutar meus problemas e indecisões. Você mora no meu coração com todos os carinhos do mundo. Obrigado pelo jantar. Estava ótimo.

Logo após Osmar se despedir com um longo e afetuoso abraço, Gleice sentiu-se frustrada por não ter conseguido da parte dele, a confirmação do seu caso com Leny. Ele até causou surpresa ao falar de dois outros assuntos particulares como a gravidez de Yolanda e a mudança de emprego, mas o que ela queria mesmo não aconteceu: "A revelação de que Leny estava esperando um filho seu".

No dia seguinte após o expediente, Osmar surpreendeu-se com Leny esperando-o no estacionamento perto da empresa. Após ter uma conversa com Leny sobre o seu encontro com Osmar, Gleice deixou a moça apavorada com a possível partida do amante e esta resolveu agir. Mostrando um ar triste e sem dar uma palavra, Leny aguardou a abertura da porta para adentrar no veículo. Tanto quanto ela, Osmar também em silêncio, acionou e deu partida no carro. O itinerário não era o mesmo da ida pra faculdade e Leny estranhou: - Para onde você está indo?

Osmar: - Estou indo tomar uma atitude.

Leny: - Não quero que tome atitude nenhuma com relação a mim. Já lhe disse pra me esquecer.

Osmar: - Se quer que eu a esqueça, porque então você está aqui agora? Porque cercar-me no estacionamento? Posso até tentar esquecê-la, mas este filho que está aí não!

Leny: - Parece até verdade, quando estou sabendo que você vai nos abandonar.

Osmar: - Estou pensando mesmo em mudar de ares, mas não abandonar a criança. Isso vai ser decidido após este nosso passeio.

Leny: - Que passeio é este? Pra onde você está me levando?

Osmar: - Para a sua casa! Você vai apresentar-me aos seus pais. Quero conversar com eles agora!

Leny assustada e surpresa: - Mas... Como assim?

Osmar com imposição: - Não tem esse tal de mas e nem esse tal de como assim? Já estamos indo pra sua casa e não tem lero-lero. Tá resolvido Leny!

Leny ainda preocupada com a reação do seu pai: - Mas eu nem avisei a eles... Deixa pra outro dia...

Osmar determinante: - Não tem outro dia, Leny! É hoje e acabou! Vamos resolver logo esta história que está nos incomodando muito. Não agüento mais o seu desprezo e as suas birrinhas de adolescente mimada que só servem para ferir o meu amor próprio.

Leny: - Mas... Você me decepcionou com aquela notícia... Você... Não devia... Você me iludiu...

Osmar: - Quem me decepcionou foi você com aquela reação no último encontro. Sempre lhe tratei com carinho e educação. Pelo que já passamos juntos, não posso permitir isso da sua parte. Ando magoado com o seu desprezo. Ou você pensa que eu tenho coração de pedra? Eu tenho sentimentos e estou sofrendo muito com tudo isso.
Leny: - E eu muito mais... Sozinha no meio de um fogo cruzado... Sem saber...

Osmar: - A minha preocupação é com a criança, porque você acabou com tudo entre nós. Você foi muito clara ao pedir para não mais procurá-la e vou respeitar a sua decisão.

Leny: - Mas estamos aqui agora, não estamos?

Osmar: - Porque você me procurou! E estou levando esta conversa adiante somente para tentar apaziguar os ânimos.

Leny: - Mas não leve muito a sério tudo o que lhe falei. Ando muito nervosa e chorona. Ando me sentindo muito só... Muito triste... Muito...

- Chega Leny! Pare com essas lamentações! Vamos logo resolver isso, porque já estamos chegando. Interrompeu Osmar com decisão e irritação.

Osmar estacionou o carro perto da casa de Leny e a moça pediu para ele esperar até que seus pais fossem avisados da visita inesperada. Depois de quinze minutos ela voltou com o seu irmão Carlos e os três adentraram na casa, aonde os aguardavam seus pais acomodados na sala. Osmar pediu licença, desejou boa noite a todos e se apresentou:

- Meu nome é Osmar e já era para ter vindo até aqui em outras ocasiões que, infelizmente, não aconteceram por conta da falta de atitude de minha parte.

- Pois bem, o meu nome é João e eu sou o pai da Leny. Aqui ao meu lado está a sua mãe Valdívia. Como você está vendo, é uma casa muito simples, mas que sempre nos acolheu com muito amor, companheirismo e cumplicidade. Além do Carlos, que aqui está, temos o Henrique, o filho mais velho casado com duas filhas pequenas, que mora em outro bairro. Rebateu prontamente João.

- Eu já sabia disso, seu João. Nas conversas que venho tenho com Leny e ela sempre fala de vocês com muito amor e carinho. Devolveu Osmar, lembrando das suas duas filhas quando João se referiu às duas meninas de Henrique.

- Vou preparar um café e um lanche pra gente. Anunciou Valdívia, levando consigo uma Leny preocupada e nervosa que se levantou para acompanhá-la até a cozinha.

Osmar: - Não precisa se preocupar comigo Dona Valdívia. Estou bem à vontade.
- Já que você está à vontade, conte-nos então o motivo da sua visita. Recomeçou João após um longo tempo em silêncio, como se estivesse estudando o rapaz.

Osmar: - O motivo o senhor já sabe que é a sua filha. Estou apaixonado por ela e pretendo resolver essa situação.

João: - Então você é o pai da criança?

- Isso mesmo. E só a poucos dias é que eu vim a saber disso. Confirmou Osmar, enquanto Valdívia e Leny retornavam com os lanches.

João: - Há quanto tempo vocês se conhecem? Conte-me sobre você e o que você faz na vida.

Osmar: - Nos conhecemos desde o ano passado, quando Leny foi trabalhar na mesma empresa. O nosso relacionamento é mais recente.

Valdívia com ar de surpresa: - Então vocês são colegas de trabalho? A Leny nunca me disse que vocês trabalhavam juntos, apenas que estudavam na mesma faculdade.

Osmar: - Também, Dona Valdívia. Estamos juntos quase sempre. Sou um analista financeiro na empresa e, apesar de ser formado em administração, estou concluindo no fim deste ano o curso de economia na mesma faculdade de Leny.

João: - Então se vê que você pensa no futuro meu rapaz. Parabéns.

Osmar: - E é exatamente por pensar no futuro, que eu estou aqui. E foi por causa da falta de perspectivas num futuro incerto para nós dois, que tomei a liberdade intempestiva de conhecê-los. Desculpem-me por aparecer assim de repente e tê-los incomodado, mas tive uma discussão séria com a Leny há poucos dias que me preocupou e obrigou-me a essa decisão.

Leny: - Pai, eu não queria que ele viesse, mas Osmar nem me deu tempo de argumentar. Veja lá o que você vai fazer!

Valdívia: - Calma, minha filha! Sempre recebemos bem nossas visitas.

João: - Mas porque você ficou preocupado com a Leny e também porque o futuro de vocês é incerto?

Osmar: - No primeiro caso, por ela querer sair de casa e, no segundo, por meus problemas pessoais.

Leny assustada com a determinação do rapaz: - Calma Osmar! Veja lá o que você vai dizer. E pensou: "Ele só pode estar louco! Mas é uma atitude de homem. Assim ele me conquista de vez".

João assustado e surpreso: - É verdade isso Leny? Você quer mesmo nos abandonar?

Leny: - Não vejo outra saída após as suas duras palavras, meu pai. Não tenho e nem sou obrigada a aceitá-las.

Valdívia: - Gente... Vamos parar com isso e respeitar a presença do rapaz. Afinal de contas ele aqui está para esclarecer as coisas.

João: - Tudo bem, mas não posso permitir que ela saia de casa. Daqui ela só sai casada e de papel passado.

Leny: - É essa sua atitude autoritária que estraga tudo. Você não é o dono da verdade, nem pode querer mandar nas pessoas.

Osmar: - Seu João, não é melhor a gente dialogar? Conversar sem imposições? Argumentar e ouvir com paciência sobre os nossos problemas? Enfrentá-los e tentar encontrar uma saída?

Valdívia: - É isso mesmo meu rapaz. Mas não estranhe as reações de João, porque ele só está pensando no bem estar da nossa filha. É o modo de ser dele. Personalidade forte de um nordestino que já passou por muitas agruras na vida. Mas é um homem bom, honesto e digno que eu admiro e conheço muito bem.

João: - Por isso mesmo, precisamos esclarecer... Além dela querer sair de casa, quais são os seus problemas pessoais que estão impedindo o futuro de vocês.

Osmar: - Vocês dois estão me conhecendo agora e não vou aqui falar maravilhas de mim. Sou um ser humano como todos nós que vivemos cometendo erros e acertos a todo o momento. Não sou diferente quanto a isso, mas sou diferente na minha personalidade em comparação com o modo de ser de cada um. Ninguém é igual, não é assim? Agora mesmo o senhor João acabou de mostrar um pouco de si, que não me constrangeu em nenhum momento. Entendo tudo isso como uma reação normal de um pai presente e amigo. Um pai que não quer se separar da sua filha.

Leny preocupada: - Osmar, é melhor parar por aqui. Esta conversa não vai acabar bem...

Valdívia: - Como não, Leny? Gostei muito do rapaz e estou admirando a sua atitude. Parece-me muito centrado e correto.

João: - Isso mesmo. A filha é minha e quem deve cuidar dela sou eu. Fale-me agora dos motivos e do seu futuro com Leny.

Osmar: - Tanto como o senhor, também não quero me separar da sua filha. Estou apaixonado por ela e preciso encontrar uma solução para que ela não me abandone.

João: - Olha aqui meu rapaz, eu não sou uma pessoa letrada como você. Estudei até o meio do segundo grau por necessidade de trabalhar para ajudar meus pais, mas uma coisa eu já entendi: você é um homem casado?

Osmar nem precisou responder para João obter a sua resposta. Leny se levantou correndo da sala e se jogou na cama após fechar a porta do seu quarto. "Agora mesmo que vai explodir tudo", pensou ela. E continuou com a sua mente trabalhando: "Nunca pensei que o Osmar tivesse essa coragem". "E a sua família, suas filhas e sua mulher?" "Esse cara não deve saber o que está fazendo!" "Não sabe com quem está se metendo!"

Osmar: - Prefiro falar na presença dela. Mas essa atitude da Leny agora, já dá uma idéia da minha resposta.

João: - Idéia não rapaz, traz a certeza do que eu estava imaginando.

Osmar: - Por isso eu ando dividido e agoniado. O senhor acabou de dizer a pouco que não quer se separar da sua filha. Mas no meu caso, são duas filhas pequenas de cinco e três anos. Não posso abandoná-las.

João: - Valdívia, vá buscar a Leny lá em cima que a conversa agora ficou muito séria.

Leny retornou com a mãe para a sala e não conseguiu disfarçar o receio que sentiu ao olhar para o ar fechado do seu pai. O velho parecia arrasado, olhando para o chão e, pela primeira vez, viu cair lágrimas dos seus cansados olhos atrás dos seus "óculos tipo fundo de garrafa". Suas mãos grossas e calejadas não paravam de procurar os lados externos da sua calça, para amenizar os suores provocados por seu nervosismo e mal-estar. O clima ficou horrível e Osmar também sentiu esse incômodo. Mas ele não podia recuar na luta por sua amada, mesmo possuído de uma grande mágoa por ela naquele momento. E fugir dos problemas não era algo que ele estava acostumado a fazer.

- Fique calmo João! Não fique assim tão arrasado! Vou buscar o seu remédio para controlar a sua pressão arterial. Implorou Valdívia preocupada com o nervosismo do marido.

- Não vá buscar remedinho nenhum, por que eu não sou homem de correr do pau. As minhas situações têm que ser resolvidas cara a cara e olho no olho. E é assim que eu vou resolver o assunto com este rapaz. Rebateu João bastante indignado.

Leny: - É melhor você sair, Osmar. O meu pai já está alterado e a conversa pode não acabar bem.

Osmar: - Fique tranqüila Leny. Eu também gosto de resolver as coisas frente a frente, desde que não haja agressões. E isso, eu acredito que não vai ocorrer.
João: - Se você Leny, não tivesse se envolvido com um homem compromissado e com família, não estaríamos agora discutindo esse assunto tão lamentável.

Osmar: - Mas aconteceu seu João. Ela não tem culpa de nada e eu nunca imaginei que isso viesse a ocorrer.

João: - Então, se ela não tem culpa, o culpado só pode ser você. Não tente afastá-la desse problema, porque quem tinha que se preservar era ela. Ela é culpada sim, pela vergonha que estou passando! Nunca imaginei minha filha como mãe-solteira.

Osmar: - E é pensando nela e no nosso filho, que estou aqui. Quero tomar conta dela e morar com ela.

João: - Como assim? Você não é casado? E a sua mulher? E as suas filhas? Como você vai resolver isso?

Osmar: - Vou montar um lar para nós dois e a criança que vai nascer. E estou aqui para pedir a sua autorização.

João: - O que é isso? Não estou acreditando... Você quer que eu permita que a minha filha seja a sua concubina? A outra na sua vida, quando acabei de lhe dizer que daqui ela só sai casada e de papel passado? Faça-me o favor! Assim você está me ofendendo!

Osmar: - Mas eu pretendo me casar com ela, assim que a situação permitir.
João: - Como se casar com ela, se você já é casado? Isso é bigamia! É contra a lei!

Osmar: - Mas não será mais seu João! Ou o senhor desconhece a “Medida Provisória do Divórcio (*) que foi aprovada no mês de junho passado! ”Essa “Medida” deve virar lei até o final do ano e permitirá novo casamento para os cidadãos divorciados.

Valdívia: - E você pretende largar a sua família por causa da Leny? Não quero que a minha filha seja a culpada de tamanha covardia da sua parte.
Osmar: - Não estou dizendo que vou largar a minha família, mas se acontecer, dona Valdívia, a culpa não será da Leny. Será por outros motivos que nada tem a ver com ela.

Leny: - Não me sentirei culpada por isso, se por acaso houver desgastes na vida dele. O que importa é que a gente se ama e ele está demonstrando que está me levando muito a sério. E quer saber? Estou gostando muito desse papo.

João: - Ainda acho que você irá cometer uma loucura com essa aventura.

Osmar: - Não tenho pretensão nenhuma de me separar da minha família, mas essa aventura que o senhor se referiu, dará frutos daqui a alguns meses, seu João. É uma responsabilidade, não uma aventura.

Leny: - Pois é meu pai. O nosso caso não é mais uma aventura. O Osmar está demonstrando sua preocupação ao vir aqui e colocar a sua cara a tapas. Frente a frente, olho no olho, como bem o senhor gosta de resolver as coisas complicadas. Ele não fugiu do problema e quer me ajudar com a sua presença.

Osmar: - Eu vou montar um cantinho pra gente seu João. E não quero que o senhor pense que ela será a minha concubina. Eu quero que ela seja a minha mulher de papel passado. E assim será quando tudo for possível.

João: - Então resolva primeiro a sua situação com esse tal de divórcio, porque daqui ela só sai casada. Estamos entendidos assim?
Osmar: - Mas antes disso, eu peço a sua autorização para morarmos juntos. Além de avaliar a minha situação em casa, a regulamentação do divórcio ainda pode demorar.

João: - Mas porque tanta pressa?

Osmar: - Porque dependo disso para resolver outra questão. Estou apalavrado com outro emprego em Minas Gerais e só vou aceitá-lo se a Leny não puder ficar comigo aqui no Rio de Janeiro.

João: - Então você já pode ir meu caro, porque daqui ela só sai casada.

Leny irritada e com autoridade: - Mas quem manda em mim sou eu! Não quero que você vá embora, Osmar. Vamos tratar da nossa vida!

João: - Então faça o que você quiser minha filha! Estou querendo o seu bem e você me desobedece. Como você mudou!

Leny: - É que agora não sou mais uma menininha. Tenho o meu emprego e vou ser mãe daqui a pouco. Não é nenhum desrespeito meu pai, mas a vontade de seguir os meus caminhos pelos meus próprios passos. Entenda isso, por favor.

Valdívia: - Mas enquanto você não for mãe, eu quero estar perto de você. Não posso deixá-la sozinha nessa hora tão importante. Portanto, até a criança nascer, você continuará aqui conosco.

Osmar: - Vamos deixar assim então Leny, porque a sua mãe está com razão. Enquanto isso gostaria da sua permissão para freqüentar a sua casa, acompanhar a gravidez dela e arcar com todas as despesas da sua gestação.
João: - O assunto agora é com a Leny, meu rapaz. Só espero que não desampare a sua família por causa dela e que se prepare para os problemas que vão cair em seu colo.
Valdívia: - Quantos problemas... Não gostei nada dessa conversa... A felicidade de alguém não pode vir a bordo da tristeza de outras pessoas... Que Deus os ilumine e lhes direcione o melhor caminho que, com certeza, não será este.
Osmar: - É como eu disse dona Valdívia. Não estou pretendendo abandonar a minha família, mas se isso acontecer não será por culpa da Leny. Por enquanto, quero estar por perto da sua filha sempre que possível.

João reticente: - É isso aí minha filha. Daqui pra frente, a sua vida vai estar sempre na “dependência do possível”.

Leny: - Mas estou indo sabendo, meu pai. O Osmar nunca me enganou e nem escondeu nada de mim. Por isso eu confio nele e na sua lealdade. Demonstrou coragem e determinação ao vir até aqui, abriu o jogo e me conquistou mais ainda com a sua atitude de homem.

Osmar: - Muito obrigado Leny. Agora que eu já sei a decisão a ser tomada quanto ao novo emprego, vou deixá-los porque já está tarde. Precisamos acordar cedo para mais um dia naquela empresa, não é mesmo?

Valdívia: - Pense bem no que você vai fazer meu rapaz e que Deus não o desampare. Desculpa-nos por algumas palavras duras de João, porque ele é assim mesmo. Com o tempo você vai entendê-lo melhor.
Osmar: - Nada a se preocupar dona Valdívia. Essas conversas eram necessárias e estou bastante aliviado com o que ficou resolvido. Boa noite para todos e muito obrigado mais uma vez.

Osmar levantou-se após as despedidas e Leny o acompanhou até o carro. No caminho, a moça não escondeu a sua alegria com sorrisos no rosto, com o beijo apaixonado que roubou do rapaz antes de entrar no veículo e com a declaração: - Quantas saudades meu amor... Como estou feliz agora... Não vou abandoná-lo nunca mais...

- E como está esta barriguinha? Precisamos acompanhar isso. Vamos tratar bem do nosso filho. Rebateu Osmar com preocupação.

- Venho sendo acompanhada pelo médico da minha mãe. O Dr. Ariosto foi quem me aparou e os meus irmãos também. É um ginecologista e obstetra bem experiente. Estou passando muito bem, apesar de alguns enjôos e incômodos normais da gestação. Devolveu Leny com os olhos brilhando de alegria.

Osmar: - A sua barriguinha até que não cresceu muito ainda.

Leny: - Apesar de já estar entrando no quarto mês, ainda dá pra disfarçar.

Osmar: - Aproveite então enquanto há tempo, para levar a sua vida normalmente.

Leny agarrando-se no pescoço do amado e sussurrando em seu ouvido: - A minha vida só vai voltar ao normal, quando estivermos juntos novamente em nossas entregas liberadas e desinibidas.

Osmar: - Também ando sentindo muito a sua falta. Que tal a gente se encontrar amanhã?

Leny: - Lógico! Estou muito carente dos seus carinhos. Depois do expediente a gente procura um lugar de pouso.

Osmar: - Combinado. Mas vou ter que tratá-la com muito cuidado. Não quero machucá-la.

Leny: - Que é isso querido? Não se preocupe, porque gravidez não é doença. Saberei me resguardar para não deixar o meu prazer escapar.

Osmar despedindo-se da amada e dando partida no carro: - Então está tudo combinado. Amanhã a gente aproveita para continuar a conversa sobre os nossos planos. Boa noite pra você meus amor. Mas...

(É o que veremos no próximo capítulo: "PINGOS E RESPINGOS")

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N.A.: (*) Sobre o divórcio mencionado aqui neste capítulo:

No dia 28 de junho de 1977 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 9, que criou a figura do Divórcio no Brasil. Logo adiante, surgiu a Lei nr. 6515/26/12/1977, regulamentando a separação judicial, a dissolução do casamento ou a cessação de seus efeitos civis com base nesse novo instituto jurídico. De autoria do Senador Nelson Carneiro, a norma foi objeto de grande polêmica na época, principalmente pela influência religiosa que ainda pairava sobre o Estado. A inovação permitia extinguir por inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que a pessoa casasse novamente.

Atualmente, a Lei do Divórcio já sofreu inúmeras reformas e foi quase que por inteiro, substituída por legislações mais modernas. Hoje em dia, é possível divorciar-se sem precisar recorrer ao Judiciário. Reconstruir a vida sentimental tornou-se algo extremamente natural nos tempos modernos, em virtude da ampla aceitação da União Estável e de sua crescente proteção jurídica.

Cada vez menos as pessoas optam por unir-se através do casamento. A informalidade nas relações afetivas tem se mostrado cada vez mais presente. Contudo, o romantismo do noivado e a segurança jurídica proporcionada pelo casamento ainda dão longa vida a esse instituto formador de famílias.



9 comentários:

  1. Mais um capítulo com muita emoções....
    Amanhã, leio mais um ...
    Muito boa leitura!

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  2. 16/11/16 13:02 - lumah

    Boa tarde Olavo! Esse é continuação do primeiro romance!! E já está
    no décimo terceiro capítulo! Parabéns querido Poeta. Vou continuar a
    ler! Gostei muito do romance. Não li esse capítulo pq estou na
    corrida organizando aqui.Retorno para casa sábado. Aí,com calma vou
    acompanhar a novela. Grata por suas incentivadoras visitas. Um
    abraço

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  3. 21/11/16 09:57 - Apaixonado Jovem

    Pois é poeta! Apresar de não ter acompanhado os primeiros, mas achei
    esta publicação nota dez em tudo com muita perfeição. Abraços para ti
    meu nobre e um bom dia de felicidades.

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  4. 05/12/16 18:58 - TITO CANCIAN

    Amigos (as) noveleiros: Já tive a sorte de em 1960 vender um roteiro
    para a CIA CINEMATOGRAFICA VERA CRUZ, já tive o azar de que esta
    estava sob intervenção federal e o filme não saiu, MAS RECEBI A GRANA
    DA VENDA. Ultimamente vinha negociando com um ator famoso para vender
    os direitos de um novo roteiro. Descobri que agora quem esta fora não
    entra e quem esta dentro não sai, ou seja, só BANCANDO. Caso queiram
    ler o que seria a base da novela, leiam UM AMOR QUE VENCEU, e teria
    mais dois núcleos GAIATOS e o romântico. Mas estou desanimando, é
    difícil mesmo. Gostei do seu trabalho, pena que todos nós seremos
    sempre escritores frustrados, é uma pena - TITO CANCIAN.

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  5. 22/01/17 22:48 - Deyse Felix

    Consegui ler mais este neste domingo. Esse Osmar é um Homem com "H"
    Maiúsculo. A grande maioria cai fora e como cai! NOW, como não poderia
    deixar de ser, continuarei a ler os capítulos deste conto no blog do
    Olavo Nascimento, está certo? <<< E quando tiver outro tempinho livre,
    eis uma Prosa Poética : Pelas estradas da vida. >>> A-b-r-a-ç-o-s.

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  6. 17/11/17 22:42 - Iolanda Pinheiro

    Eita, Osmar macho. Fiquei boba. Chegou e contou tudo para o João! Uau.
    Gostei de ver. Vamos para a frente.

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  7. 01/12/15 02:27 - Vannessa Adriana Butterfly

    É muito importante sim ter autocontrole... Realmente nos salva de
    todos os tamanhos e dos mais diversos tipos de enrascadas... Beijinhos
    com carinho!!!

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  8. 04/12/15 22:29 - Gisely Poetry

    Medo e insegurança fazem parte da vida,ela só não pode ser dominada
    por eles! O bom guerreiro teme a boa batalha, mas nem por isso a deixa
    de guerrear.

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  9. 18/04/19 13:10 - António Souza

    Muito legal esse capítulo, depois da saia justa que Osmar passou com a
    Gleyce, se vestiu de macho e foi buscar solução para o seu problema,
    embora me parece que vai entrar numa enrascada com a mulher, o seu
    João se viu apertado, mas agiu como é costume dos pais, principalmente
    os mais antigos. Vamos em frente, abraços !

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